Cotidiano | 08/09/2011 | 15:07
Diretora faz raio-x do Melchíades
Lucas Lemos - lucas.lemos@canalicara.com
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Criciumense de 52 anos, Maria Inêz Salvador é casada com Ildo Alfredo Cesca. Foi com o empresário da construção civil que teve dois filhos. O herdeiro Domingos é administrador, teólogo e mestrando na Alemanha. Já Vandressa é formada em Administração.
Pedagoga, com especialização em Supervisão Escolar, Psicopedagoga e mestre em Educação. Maria sempre atuou na área. É apaixonada pelo que faz há 24 anos. Foi professora universitária na Febavi e na Unesc. Atualmente é responsável pela segunda maior instituição de ensino em Içara. Dirige a Escola Melchíades Bonifácio Espíndola.
No Rincão, comanda 980 alunos de Ensino Fundamental e Ensino Médio. Assumiu o cargo em março de 2010. A indicação ocorreu devido a problemas que passava a escola. O Governo do Estado precisava de alguém com pulso firme para enfrentar as dificuldades enfrentadas pelos professores e alunos. Foi definido que Maria Inêz poderia ser esta pessoa. Ela aceitou o desafio e se mudou para o litoral.
Contudo, o esquecimento da escola rinconense não mudou. Faltavam materiais esportivos. E também não havia professores para ocupar todas as salas de aula. Passado mais de um ano no cargo, Maria Inêz denuncia que o descaso continua. A diferença é que a Associação de Pais e Professores (APP) mantém atuação marcante nas atividades da escola. Sempre que acionada, a iniciativa privada também ajuda na manutenção do prédio.
Com sentimento de papel cumprido por ter dado alguma contribuição com o processo escolar, Maria Inêz já pediu transferência para a Gerência Regional de Educação (Gered). Todavia ainda não teve o requerimento deferido. Ainda no cargo de direção, ela respondeu algumas perguntas realizadas pelo Canal Içara. Falou de inclusão, de sexualidade, politização e valores morais. Além disso, deixou agradecimentos a quem contribuiu até agora. Confira:
Você comanda atualmente a segunda maior escola de Içara. É a maior do Rincão. Por isso, no que diz respeito à educação, já carrega uma bagagem significativa de experiência. Qual a maior dificuldade em comandar uma instituição deste porte?
Gerenciar uma escola com tantas necessidades, com problemas financeiros, administrativos e ainda pedagógicos, é um fato agravante e triste para uma pedagoga. Ainda bem que temos uma APP atuante. Convivemos com um sistema burocrático, onde as normas sonegam o conhecimento cientifico ao aluno, muitas vezes demorado para resolver os problemas escolares. Precisamos com frequência recorrer à iniciativa privada uma vez que os serviços governamentais não conseguem suprir as necessidades educacionais.
A proposta do Estado de inserir estudantes com mobilidade ou capacidade mental reduzida no sistema público de educação é possível de ser aplicada? Falta estrutura, capacitações para isso, ou não?
Sim. As atuais tendências e novos paradigmas da educação têm gerado uma polêmica saudável em torno da inclusão escolar e inicia uma trajetória irreversível. A inclusão é um movimento a nível mundial e não tem volta. Com certeza, para que isso aconteça, é fundamental que os professores sintam-se apoiados e subsidiados tecnicamente na tarefa de incluir os educandos portadores de necessidades especiais no cotidiano escolar. A lei garante capacitação aos professores e aos educandos o direito de freqüentar o ensino regular. A inexistência de práticas de respeito aos direitos do cidadão reside no desconhecimento da população, na ausência de esclarecimento e informação pelos meios de comunicação, portanto, falta exigirmos que a lei seja cumprida. É com orgulho que posso afirmar que a Melchíades está se construindo em uma escola inclusiva, e somos uma defensora da Educação inclusiva.
Em contato com centenas de jovens, você avalia que a juventude está mais politizada? Ou os alunos estão cada vez menos atentos ao cenário político?
Acredito que falta interesse dos jovens em participar da vida pública do país. O jovem brasileiro é extraordinário, porém passivo demais, condizente demais, conformado demais... E isto é resultado da politicagem que se instalou em nosso país.
Existe algum grêmio estudantil na escola? Há incentivo da própria direção para isso?
A escola já teve. Hoje a maioria dos movimentos estudantis está desarticulada pois a política partidária está infiltrada. Temos uma geração de jovens sem espírito de luta, ainda há respingos da Ditadura Militar. Confesso que todo meu tempo se esgota em problemas de relacionamento, desestrutura familiar... E faltou empenho de minha parte para se instituir um Grêmio atuante na Melchíades. Vale ressaltarmos que ainda acredito na educação, como um instrumento de libertação e de transformação da sociedade. Não para tirar as pessoas da mediocridade, mas para tirar a mediocridade delas.
A escola em que você atua lida diretamente com jovens em ebulição de hormônios. Com base nisso, que tipo de abordagem você considera mais adequada para aplicação de aulas/debates sobre sexualidade? E, até que ponto este assunto deve ser discutido numa escola?
Além das aulas com os professores da área de Biologia e Ciências, deveríamos ter palestras e debates em todas as séries, com alunos, com os pais e com os professores com um palestrante competente. Este tema faz-se urgente e necessário ser debatido na escola. Já passou da hora. Indico aqui a Prefeitura Municipal de Içara, o professor Aldino José Grando, para realizar um trabalho com todos os alunos, pais e professores do Município de Içara.
Quando há evasão escolar na Escola Melchíades Bonifácio Espíndola, qual o principal motivo? Na maioria das vezes os pais têm conhecimento disto?
Sim os pais têm conhecimento e, quando não, o Conselho Tutelar é avisado. Na escola Melchíades temos uma rotatividade imensa de alunos. Por ser um balneário muitas famílias vão e vem diariamente em busca de moradia e trabalho. Todos os dias há transferências e também matrículas. Tem se tornado difícil para a secretária organizar a documentação de alunos.
Ainda sobre os pais, como avalias a participação da comunidade nas atividades da escola? E, qual a diferença que faz este acompanhamento junto aos trabalhos?
Tímida, muito tímida. Na Escola Melchíades a maioria dos pais só vem à escola quando há problemas com seu filho. Os que vêm, contribuem de forma significativa. Citamos que a APP é atuante e comprometida com a escola.
Se você pudesse inserir um valor moral nos estudantes, qual seria e por quê?
Pode ser dois? Honestidade e honradez. Ora, os valores morais são responsáveis pela manutenção da ordem entre as pessoas, sendo inclusive ensinados desde o berço. Concluindo, valor moral além de ser um instrumento indispensável para o bom funcionamento da sociedade e integração dos indivíduos nela, também significa respeito à vida. À nossa vida e à vida das pessoas do nosso entorno social.
É público que você pediu a saída da direção da escola. Qual o motivo?
Justificamos nossa solicitação, uma vez que não temos mais condições de gerenciar uma escola com tantas fragilidades. E, o que mais pesou para fazermos esta solicitação é a convivência com um sistema burocrático, onde as normas sonegam o conhecimento cientifico ao aluno, sendo que já possuem um nível de aprendizagem extremamente baixo e muitos só recebem alimentação na escola.
Percebemos um descaso total com a escola Melchiades, a GERED deixou a desejar a contratação de professores ACT. No inicio do ano letivo nós mandamos as vagas e lá não apareceram. Então tivemos que pagar professores substitutos para que os alunos não ficassem sem aula e sem alimentação. Isto sem a escola dispor de recursos. Os livros didáticos na sua maioria ainda não chegaram à escola e já estão sendo feitas as escolhas para 2012.
Depois veio a greve dos professores, que desestruturou todo planejamento feito no início do ano, criando um clima de relacionamento ruim. Tentamos segurar a “barra” até agora por acreditarmos que seria diferente o caminhar desta nova administração, porém o governo parou e a escola não. Foi graças a APP, a muitos professores e funcionários que segurei a “barra” até agora, pois acreditei que seria diferente. O que aconteceu foi que o estado trancou tudo e a escola teve que continuar.
Até hoje não fizeram licitação para a compra de materiais de limpeza. Não temos materiais esportivos e o esporte representa para os nossos alunos fator essencial de aprendizagem. Eles gostam muito de esporte. Por fim temos que concordar com as orientações desencontradas e falta de comprometimento de alguns funcionários da Gered que nos prometeram auxílio quando assumimos a Direção.
Vale lembrar que o compromisso que assumimos de gerenciar a escola até dezembro de 2010 foi cumprido com garra e determinação. Enfrentamos muitas dificuldades com a relação dos alunos, além da depredação da escola, vidros, portas, fechaduras, lixeiras do pátio, móveis das salas de aula são quebrados com freqüência. A manutenção da Escola tem sido feita pela APP e com nossos recursos próprios.
Aproveitamos a oportunidade para agradecer a confiança depositada em nosso trabalho, evidenciamos que estamos deixando a Direção, mas seremos um colaborador na educação da Escola Melchíades sempre, escola onde aprendi muito... Ajudei pessoas... Construí muitas amizades... Aprendi inclusive a amá-la... Para encerrar eu gostaria de agradecer três pessoas: Luiz Rodolfo (Gered), Olivio Kisuco (presidente APP) e Shirlei Lleda Laurindo (vigilante da escola). Ambos pelo apoio recebido.