Cotidiano | 23/07/2011 | 12:22
Além da lenda, a política na terra
Derlei Catarina De Luca - derlei.deluca@canalicara.com
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Eleição em Içara sempre foi uma briga e uma festa. UDN contra PTB, MDB contra ARENA, PP contra PMDB. Os casos são muitos. As eleições municipais provocam paixão entre as pessoas, produz em inimizade de morte entre vizinhos e separam famílias.
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Numa ocasião, o candidato da UDN, Jorge Lacerda, ganhou a eleição para governador. Silvino De Luca ligou a caminhonete, buzinando alto e foi comemorar em todo o município, passando pelo bairro Aurora, principal reduto do PTB. As mulheres indignadas não tiveram dúvidas: atiraram água, urina, pedra, laranja e tudo o que puderam pegar na hora.
Em época de campanha, dona Adércia caia na estrada garimpando voto, de casa em casa, para seus candidatos. Naquele ano não podia ser diferente. Era tempo de ditadura, mas ainda tinha eleição para prefeito. Pelo menos isso. Já que não se votava em presidente pelo menos, se devia tentar ganhar a prefeitura.
O povo andava meio amedrontado, era preciso visitar cada eleitor, no peito e na raça. Tentar convencê-los com argumentos e não somente entregar santinhos. Tinha de gostar do metie. No ano de 1968, o candidato a prefeito pelo MDB, era Valmor Paulo De Luca, partido de oposição. dona Adércia liderava um grupo de mulheres encarregado de ganhar os votos no Rio Acima, Urussanga Velha, Espigão e Pedreira. Na Lagoa dos Esteves nem precisava, porque todos votavam na oposição.
Tinha trabalhado o dia inteiro, visitado gente; discutido com uns; apoiada por outros; enfim, pelejando. Durante a campanha, sua própria casa ficava entregue a filha mais velha, que se encarregava do almoço e da arrumação. Naquela noite, ainda tinham algumas casas para visitar.
Dona Adércia arrumou-se toda. Pedro deixou-a próximo a Pedreiras, onde se encontrou com as companheiras de campanha e lá se foram visitar mais casas. Estava escuro. Entraram cancela adentro e esbarraram em algo duro.
No escuro não viram os bois Carrero, de estimação dos donos, amarrados e encostados numa estaca próxima da cerca e uma de suas acompanhantes caiu por cima dos bois. Elas não sabiam se riam ou choravam enquanto juntavam a companheira que ficou com os ossos doloridos.
Naquela noite demorou pouco na visita. Dona Adércia conta que seu estômago já estava ficando negro por dentro de tanto tomar cafezinho. Aliás, no interior de Içara não se toma cafezinho. Toma-se um copo cheio e bem doce, quase melado.
Dona Adércia, então, estudou e arrumou uma estratégia. Sentava-se próxima a uma janela dos fundos e na menor possibilidade jogava o café janela afora. Mas, aquela campanha estava de amargar. Numa casa, sentada estrategicamente perto da janela, conversando com a dona da mesma, disfarçadamente, rapidinho, jogou o café pelas costas. Deu azar. O café caiu justamente na careca do marido que voltava para casa.