Cotidiano | 06/04/2014 | 11:28
Aprendendo a lidar com os conflitos
Especial do Jornal Gazeta
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A adolescência é marcada não somente pela mudança do corpo, mas pela transição de comportamento. É nessa época que surgem diversas dúvidas pertinentes. O que fazer quando a idade adulta chegar? Namorar ou paquerar? O que é um amigo de verdade? E quais medidas devem ser tomadas para mudar o planeta? Mas, quando as pessoas de convívio não compreendem essa necessidade de mudança e adaptação, a adolescência pode não ser bem encarada por todos.
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*Renata, aos 16 anos, já enfrentou diversos percalços que não imaginava. Há pouco mais de seis meses, ela morava na cidade de Araranguá, junto com a mãe. A relação entre as duas, no entanto, sempre foi bastante conturbada, repleta de discussões e incompreensões. Foi então que ela resolveu mudar-se para Içara e, para compreender e conseguir absorver toda essa reviravolta repentina, decidiu buscar ajuda psicológica.
“Eu faço tratamento há seis meses e tem me ajudado muito. Hoje eu consigo compreender coisas que antes não entravam na minha cabeça. A primeira consulta, obviamente, foi um tanto constrangedora. Mas aos poucos consegui me soltar e colocar para fora o que me fazia sentir mal. Agora, vejo a minha psicóloga muito mais como uma amiga do que como uma profissional. Venho para cá feliz, sabendo que terei um diálogo longo e que irá ajudar a entender melhor muitas coisas”, relata.
As discussões com a mãe começaram depois que foi descoberta a opção sexual da garota. Gostar de meninas trouxe mais dores de cabeça do que o esperado. Foi então que a jovem decidiu morar com o pai que, com mais paciência, soube lidar bem com a situação. “A minha mãe é uma pessoa bem difícil de conviver. Quando ela descobriu minha opção sexual, tentou me mudar. E, pior que isso, tentou se fazer de vítima alegando que eu não era a filha perfeita que ela merecia. Isso sempre me deixou muito magoada, o que segundo a psicóloga, estava me deprimindo. A ideia de procurar uma ajuda profissional surgiu do meu pai e eu super aceitei. Achei que seria bom para mim e para a minha família. E acho que vale muito à pena, é algo que eu não pretendo parar de fazer e quero ter até como profissão”, comenta.
O pai, Pedro*, diz que depois que as sessões com a psicóloga iniciaram, muitas coisas mudaram. A relação pai e filha é a melhor possível. “Eu sou suspeito porque a amo muito. Ela é uma menina muito especial e que está sempre disposta a ajudar. Claro que, como pai, eu tenho que repreender e puxar a orelha para certas coisas. Mas isso não por se tratar de um caso isolado, mas porque é comum na adolescência. A Renata já teve muitas dúvidas e hoje consegue ver as coisas com outros olhos. Se ela optar por algo ou por outro, eu vou apoiar, porque é isso o que fazem os pais”, garante.
Pedro também faz acompanhamento psicológico. No ano de 1999, descobriu que era portador de transtorno bipolar. No começo, sentiu dificuldade para enfrentar e aceitar a doença. Depois, com acompanhamento profissional, começou a entender como devia proceder e hoje, vive tranquilamente. “Ainda faço consultas e acho que todos deveriam fazer. As pessoas não devem se envergonhar de consultar um psicólogo ou psiquiatra. Devem é se sentir felizes por saber que existem profissionais que podem ajudar a sanar diversos problemas internos. Logo que eu iniciei a adolescência, comecei a perceber uma diferença em meu próprio comportamento. Mas não queria aceitar que eu era agressivo com as pessoas. Só depois que eu passei a ter acompanhamento e buscar também a ajuda de Deus, as coisas começaram a melhorar”, relata.
Renata também diz não sentir vergonha de fazer tratamento. Ao contrário, ela diz que se precisar, orienta outras pessoas para que façam o mesmo. “Eu me sinto orgulhosa de ir a um psicólogo. Acho que muitas pessoas fizeram a imagem de um psicólogo como uma pessoa ruim, como um inimigo ou que trata de loucos. Quando na verdade não é. É um profissional que ajuda a esclarecer coisas até então incompreensíveis”, completa.
A psicóloga do Ambulatório de Saúde Mental de Içara, Maria Eduardo Pacheco, explica que esse apoio que Renata recebe do pai é fundamental para o tratamento. Em muitos casos, os responsáveis acham que é obrigação do profissional buscar meios de melhor o comportamento do filho quando, na verdade, é um trabalho em conjunto. “Tem muita gente que chega aqui e diz: “Meu filho está com problemas, dá um jeito”. E não é bem assim que funciona. O tratamento depende muito da família. Se os pais tem interesse em ajudar, esse processo se torna muito mais rápido. Eu sempre digo que a criança é o catalizador da casa. Se as coisas não funcionam bem ao seu redor, se nada está em sintonia, então os seus pensamentos também estarão em desordem”, afirma.
EM BUSCA DE AJUDA - O caso de Renata é um dos muitos atendidos no Ambulatório de Saúde Mental de Içara. De acordo com o coordenador de Saúde Mental, Sergio Leonardo Gobbi, a demanda cresceu muito e, por isso, percebeu-se que era preciso oferecer esse tipo de atendimento também às crianças. “Temos dois problemas que não são específicos de Içara, mas em nível nacional, que também fizeram que criássemos esse atendimento infantil. O primeiro, é que a depressão não delimita idade, então não escolhe se é criança ou adulto. Segundo, é um doença que está começando a atingir as pessoas cada vez mais cedo por inúmeros motivos. Antes, já tínhamos o acompanhamento psicológico. Mas faltava o profissional psiquiátrico para que fosse feito o acompanhamento também medicamentoso”, avalia. O serviço acontece em rede, ou seja, o paciente tem o primeiro atendimento na unidade de saúde e, de acordo com a necessidade, é encaminhado ao ambulatório e depois ao Caps. Após receber tratamento o paciente retorna à Estratégia Saúde da Família de seu bairro onde continua sendo acompanhando pela equipe.
* Pedro e Renata são nomes fictícios