logo logo

Curta essa cidade!

HUB #IÇARA

Venha fazer também a diferença!

Comunicação + Conteúdo + Conexões

Acessar

Cotidiano | 15/04/2011 | 08:35

Especialista fala sobre bullying

Especial de Fernanda Zampoli, do Jornal Gazeta

Compartilhar:

Baleia, magrela, cabeção, metida, orelha, baixinha, vareta, beiçudo, zumbi, zarolho, florzinha. Estas palavras assim soltas, talvez não tenham qualquer força, mas jogadas de forma pejorativa contra uma pessoa por conta de seus traços físicos, por exemplo, podem trazer conseqüências desastrosas. Entre as crianças e adolescentes elas são consideradas uma forma de humor, mas o nome dado a essas brincadeiras de mau gosto, disfarçadas por um duvidoso senso de humor, é bullying.

O termo ainda não tem uma denominação em português, mas é usado quando crianças e adolescentes recebem apelidos que os ridicularizam e sofrem humilhações, ameaças, intimidação, roubo e agressão moral e física por parte dos colegas. Entre as conseqüências estão o isolamento e a queda do rendimento escolar. Em alguns casos extremos, o bullying pode afetar o estado emocional do jovem de tal maneira que ele opte por soluções trágicas, como o suicídio.

Na última semana um crime, em Realengo, Zona Oeste do Rio de Janeiro, chocou o Brasil e o mundo e reacendeu a discussão sobre o bullying. Wellington Menezes, 23 anos, ex-aluno da Escola Municipal Tassio da Silveira, entrou armado na unidade escolar por volta das 8h30 do dia 7 e atirou em salas de aula lotadas. Doze crianças morreram e outras 10 ficaram gravemente feridas.

Após a entrada da polícia, sentindo-se acuado, o rapaz tirou a vida atirando contra a cabeça. Ex-colegas de Wellington revelaram que ele teria sido vítima de bullying na época em que ele era aluno do colégio. Na sala de aula, o autor do ataque sofria intimidações constantemente. Os estudantes chegaram a lhe dar o apelido de Sherman, em referência ao famoso nerd interpretado pelo ator Chris Owen no filme "American Pie". Ainda segundo informações passadas por dois rapazes que estudaram com o atirador, Wellington também era chamado de "suingue", pois andava mancando de uma perna.

Diante dos fatos o Jornal Gazeta conversou com a psicóloga da rede municipal de ensino de Içara, Gabryela Zoch, que falou sobre as conseqüências que o bullyng pode trazer a sociedade. A profissional alerta que a prática é crime e pode ser nociva às vítimas. “O ser humano é um ser integral, um ser biopsicossocial e deve ser entendido como um todo. Então devemos escutar mais nossas emoções e sentimentos, buscando nosso bem-estar e se algo não estiver legal, procure auxilio”, avalia a especialista.

Jornal Gazeta - O que é o bullying e como se caracteriza?
Gabryela Zoch - O termo significa valentão, brigão. A situação do bullying se caracteriza por agressões intencionais podendo ser verbais ou físicas, realizadas repetidas vezes contra um ou mais colegas. Pode-se citar apelidos pejorativos, gozar, intimidar, perseguir, ameaçar, ofender, humilhar, forçar a dar dinheiro, chamar nomes, discriminar, excluir um indivíduo do grupo, mentir, espalhar boatos ou assédio sexual, enfim qualquer comportamento que possa colocar o outro em situação de humilhação ou vulnerabilidade. Existe o agressor, a vítima e os espectadores/testemunhas.

Acontece somente dentro da escola?
Não. O bullying pode acontecer na escola, no trabalho, em casa, enfim nos diversos locais onde aja relacionamento interpessoal.

Bullying se dá apenas com crianças?
Geralmente, as vítimas do bullying são pessoas mais quietas, pouco sociáveis e que não possuem muita habilidade para reagir a agressões. Tanto no que se refere a ser o autor, o espectador ou a vítima não tem idade específica. Acontece com crianças, adolescentes, adultos e porque não com idosos também. Geralmente acontece quando existe uma relação desigual de poder, no caso o agressor se considera mais “poderoso” que a vítima e sente-se no direito (e satisfeito) em agredi-la.

Como detectar que uma pessoa está sendo vítima do bullying?
Geralmente, as vítimas do bullying são crianças mais quietas, pouco sociáveis e que não possuem muita habilidade para reagir a agressões. A pessoa pode dar diversos indícios tais como evitar o local onde ocorre o bullying, evitar situações sociais, apresentando tendência ao isolamento, baixo rendimento escolar ou no trabalho, sintomas de melancolia, alterações no sono e apetite, podendo chegar a apresentar depressão ou outros sofrimentos psíquicos.

O Bullying é considerado crime?
Sim, o bullying é um crime previsto pelas leis e pela Constituição Federal. Quem comete o bullying deve ser responsabilizado, pois está cometendo um crime pode ser:
Ofensas à Integridade Física Simples, Injúrias / Difamação, Ameaças, entre outros. No entanto os menores de 16 anos são inimputáveis, mas podem ser responsabilizados e conduzidos à prática de uma medida tutelar educativa. Quando adultos ainda torna-se mais fácil, mas com crianças e adolescentes a questão é conscientizá-los sobre seus atos e se a situação continuar a ocorrer tomar medidas mais rígidas.

Que tipos de tratamento a vítima deve receber?
A vítima deve ser avaliada por profissionais especializados para que possam realizar um diagnostico da necessidade ou não de tratamento psicológico, médico, entre outros.

Se não for tratada o que pode acontecer?
O bullying pode afetar tanto a parte física quanto a emocional, ambas são nocivas. A questão é que a agressão física é visível, mas na agressão emocional as marcas não aparecem podendo ficar guardadas por muito tempo. Pode-se fazer uma analogia com uma panela de pressão, quando a pressão consegue sair da panela “tudo tranqüilo”, mas se a pressão ficar retida pode “explodir”. Assim acumulamos sofrimentos, perdas e traumas que podemos desenvolver um sofrimento maior, tal como um Sofrimento Psíquico (exemplo depressão, fobia social, estresse, ansiedade, entre outros).

Na escola existem muitos casos?
Não realizamos um levantamento preciso de quantos casos ocorreram, mas temos a tranqüilidade de responder que quando ocorre algum caso nós intervimos de forma pontual, não deixando que atitudes agressivas venham a se tornar praticas freqüentes neste ambiente que deve ser ambiente que promova saúde mental. Por isso é importante que tanto vítima quanto os espectadores do bullying denunciem para que seja tomada alguma providência.

É algo que vem crescendo?
Acredito que atualmente o conhecimento e a conscientização sobre qualquer tipo de violência seja mais freqüente. Há 10 ou 15 anos atrás não se ouvia falar sobre bullying e o mesmo era cometido de forma bastante perspicaz e atualmente este tema tem sido bastante discutido, o que demonstra o interesse em reduzir as práticas de desrespeito ao próximo. Então penso que a denúncia vem crescendo, mas a violência já existia.

Algum caso chamou mais atenção?
Uma questão bastante forte é quanto a apelidos que denigrem a auto-imagem e que muitas vezes quem fala acha que está brincando, mas quem ouve guarda aquelas palavras o resto de suas vidas. Lembro de atender alunas “magras” que se achavam “obesas” e diziam que quando pequenas eram gordas e que na escola sofriam gozações por isso, chegando a evitar situações tais como praias por vergonha do próprio corpo. O ser humano traça um padrão de normalidade e beleza e as pessoas que não se enquadram neste padrão muitas vezes podem sofrer discriminação ou preconceito.

Como combater isso?
Através de políticas e práticas anti-bullying nas escolas, envolvendo professores, funcionários, alunos e pais. Sensibilizando, informando, conscientizando, enfim mobilizando os envolvidos e por fim responsabilizando aqueles que praticaram o bullying.

Em Içara há algum trabalho específico para isso? Como é desenvolvido?
Dentro do ambiente escolar pode-se dizer que este tema é amplamente estudado e discutido, para que assim possamos fazer do respeito ao próximo um hábito, buscando estabelecer relacionamentos mais saudáveis.

Existem dificuldades tanto para detctar o bullying quanto para tratá-lo? Quais?
Além de muitas vítimas serem ameaçadas. Existe uma questão que é a dificuldade em entender e controlar suas emoções e sentimentos e assumi-los podem demonstrar falta de controle. Quantas vezes ouvimos sobre o sofrimento psíquico a frase de quem pouco conhece o que está falando: “Isto não é nada, é coisa da tua cabeça.” Ou “Psicólogo é coisa para louco”. Assim muitas vezes quando a pessoa chega para atendimento já está numa fase de sofrimento grave. O ser humano é um ser integral, um ser biopsicossocial e deve ser entendido como um todo. Então devemos escutar mais nossas emoções e sentimentos, buscando nosso bem-estar e se algo não estiver legal, procure auxilio. Assim pode-se prevenir sofrimentos futuros.
Quando trata-se de crianças deve-se estar atento a mudanças de comportamento e como responsáveis dar atenção a fala da criança, então a comunicação aberta na família e na escola acabam sendo os grandes facilitadores para detecção do bullying.

Quais as principais formas do bullying? O que mais aparece para vocês?
Os meninos cometem mais o bullying do que as meninas; Físico (bater, beliscar, empurrar, agredir); Verbal (apelidos, gozar, insultar); Moral (difamar, caluniar, discriminar, tiranizar); Sexual (abusar, assediar, insinuar, violar sexualmente); Psicológico (intimidar, ameaçar, perseguir, ignorar, aterrorizar, excluir, humilhar); Material (roubar, destruir pertences materiais e pessoais); Virtual (insultar, discriminar, difamar, humilhar, ofender por meio da Internet e telemóveis, este tipo é conhecido como cyberbullying).

Qual avaliação que faz sobre a tragédia na escola do Rio de Janeiro? Isso abriu precedente?
Penso que temos que demonstrar as crianças e adolescentes tranqüilidade, acredito realmente ser um fato isolado. De uma pessoa com uma personalidade bastante perturbada, com ódio de si, de sua vida e do mundo que resolveu num ato planejado (como já demonstrado) suicidar-se e “levar” pessoas inocentes junto. Se este rapaz sofreu bullying na infância poderia ter buscado auxílio para tentar superar, não justifica o ato realizado. Quantas pessoas também sofreram bullying e nem por isso vão sair por aí matando todo mundo! No dia seguinte atendi um aluno que não queria mais estar na escola por medo do que havia acontecido. Estava com problemas gastrointestinais e forte dor de cabeça, conversamos muito sobre o assunto e o mesmo diz ter se sentido muito mais seguro após nossa conversa. Penso que a escola é um local que deve estar relacionada com educação, saúde e um local que trabalhe pensando num futuro melhor. Se abriu precedentes, espero que não, devemos como adultos trabalhar muito com o diálogo sendo este um grande aliado na prevenção de problemas maiores que possam vir a acontecer.


Outros destaques da edição 399 do Jornal Gazeta:

» SAÚDE: Homem morre por falta de atendimento médico
 
» TRÂNSITO: Acidentes com motos aumentam mortes no trânsito