Cotidiano | 05/04/2019 | 08:00
Medos que se transformam em coragem para viver cada dia melhor
Simone Luiz Cândido
Compartilhar:
Quando criança nosso quarto era muito pequeno. Dividíamos uma cama de casal eu e minha irmã mais nova. A cama era encostada na parede, pois não havia espaço suficiente para que estivesse de outra forma.
Ela sempre me dizia: “Dorme na beirada que eu durmo no canto, se vier o bicho Papão nos pegar, ele te pega primeiro e eu fico salva”. Quando sentíamos muito medo, íamos chamar a mãe. Ela já cansada das atividades diárias dizia: “Coça a cabeça que o medo passa”. Passava? Que nada, continuava nos atormentando, segurávamos a mão uma da outra e enquanto não estivéssemos com bastante sono, não deixávamos a outra dormir. Assim enfrentávamos nossos medos.
De manhã cedo tomávamos o café com os pães feitos pela mãe. Bons tempos de infância em que nossa preocupação era estudar, tirar boas notas, aprender a ler e escrever. Ouvi muitas vezes minha mãe dizer “um dia tu vai saber o que é ser mãe”. Eu ouvia, entendia muito pouco sobre isso. Ela, mãe de cinco filhos, sabia o que era ser mãe.
Cresci, me tornei uma mulher adulta e mãe. Pude compreender o que isso significa. Ter coração fora do corpo, não saber o que fazer quando um filho fica doente, implorar para que Deus dê uma luz em qual médico se deve levar para alcançar a cura, invernos com crises de asma, noites a fio sentada cuidando e zelando outra vida que dependia de mim. Quantas noites lembraram-me da minha mãe que sem recursos cuidou de nós cinco.
E os meus medos de infância se tornaram outros. Agora o medo era de não conseguir cuidar de um ser indefeso, muitas vezes com febre, entre outras coisas que são comuns em crianças. Três anos e meio depois, eis que chegou nossa segunda filha, desafio ainda maior em dose dupla, o amor também crescera. Sinto tanta falta de uma avó materna por perto para me ajudar a descobrir o que fazer nos momentos de aflição.
Peço á Deus que minha mãe reze por nós para que eu consiga perder meus medos e com muita coragem enfrentar os desafios da maternidade. Muitas vezes olhamos bebês limpos, cheirosos, nem imaginamos o quanto é difícil ser mãe, olhar várias vezes durante a noite se a criança está respirando, se dormiu sem tossir.
Quanta coisa passou sendo mães e a cada dia aprendemos um pouco mais sobre nossos filhos. Descobrimos quando estão bem, quando vem chegando alguma gripe com as mudanças de humor. Tudo isso vai formando um conjunto de sintomas e vivências. Chega o tempo dos nossos filhos terem seus medos e lá vem à pequena de seis anos e pergunta: “Mamãe e se eu sentir medo á noite”? Eu respondo: “pode me chamar sempre que precisar a mamãe vai atender você”.
E muitas vezes ela vem no meio da noite, quando vimos está entre nós e bem espaçosa. E eu reclamo? Claro que não. Quem passou longos anos tentando ser mãe não reclama de presença. Acordamos com uma miniatura de pessoa junto de nós.
Com o tempo nós mães vamos mudando a maneira de tratarmos nossos filhos. Quando se sente medo é tão bom um abraço, uma palavra de conforto. Assim vamos mudando a história deles, com afeto e principalmente nosso apoio. Recebi muito amor dos meus pais, mas somos cinco e sendo cinco - e não dois como no meu caso - era muito mais difícil. Sem contar que não se tinha máquina de lavar, nem muitas facilidades que hoje temos em nossas casas.
Os medos que tínhamos quando crianças se transformaram em lembranças, nos ajudaram a alicerçar nosso presente e futuro. Hoje crescemos e podemos ajudar outros a perderem seus medos da vida de sermos nós mesmos. Medo de ficar na beirada e sermos atacados hoje se transforma em coragem para vivermos cada dia melhores.