Cotidiano | 18/03/2013 | 09:01
Mulher de alma, corpo e direitos
Especial de Daniela Soares, do Jornal da Manhã
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O dia-a-dia de Fabiane da Rosa Luiz, 33 anos, resume-se na conciliação do trabalho aos afazeres do lar. É uma rotina cansativa, mas que ganha alívio na colaboração do companheiro Nilson Domingos, que não hesita em limpar a casa ou enfrentar o fogão. Como meta, ela nutre o desejo de reformar a residência, para que o casal tenha uma vida ainda mais confortável. Ela se considera uma mulher como qualquer outra, contudo, a luta travada nos últimos anos a diferencia diante das demais.
Para ser efetivamente mulher, ela enfrentou a mesa cirúrgica por duas vezes, sendo a primeira transexual da região a mudar de sexo pelo Sistema Único de Saúde (SUS), procedimento realizado no Hospital das Clínicas, em Porto Alegre. Agora, Fabiane celebra outra conquista pioneira. Após meses de tramitação burocrática, ela oficialmente abandona o nome de batismo, Fábio, para ser reconhecida como Fabiane, por meio de concessão da 2ª Vara Cível da Comarca de Araranguá. “Muitos diziam que eu podia ter conseguido a cirurgia, mas que não con
seguiria mudar de nome”, desabafa.
Segundo ela, até o anúncio da conquista o receio predominou. “Contratei um advogado, que estudou o caso, já que era algo diferente. Por muitas vezes eu liguei para ele, mas sem nenhuma novidade. Eu tinha medo que o pedido fosse negado”, lembra. Hoje, todos os esforços resultam na concretização de um sonho. Fabiane poderá votar, ter um registro de emprego, entre outros direitos, com reconhecimento de sua identidade interior e, mais recentemente, física. “É o complemento da minha vida. Para mim não adiantava ter feito a cirurgia, ter feições femininas, se o meu nome era masculino. Na última eleição eu até queria justificar o voto, porque acaba sendo constrangedor”, menciona.
O processo teve início três meses após a primeira operação médica, realizada em dezembro de 2011. Para a viabilização da transformação, foi necessário um longo período de acompanhamento profissional, com deslocamentos constantes para a capital gaúcha. “Tive uma recuperação boa, apesar de mais de um mês de dor intensa”, comenta. Já a segunda cirurgia, ocorrida em outubro do último ano, foi decorrente de complicações por descuido de Fabiane. “Me arrependo de ter deixado isso acontecer. O canal precisou ser reconstruído novamente”, relata.
Na cirurgia mais recente, ela se deparou com o limite do sofrimento. “A segunda operação foi 10vezes pior. Senti muita dor, precisei tomar morfina a cada três horas, tive princípio de infecção”, lembra. As circunstâncias não impediram que Fabiane retornasse para Maracajá, após sete dias de internação. “Eu fiquei em comunicação com o médico de Porto Alegre por telefone, já que aqui nenhum médico poderia me ajudar. Senti dor por muitos dias, mas quando percebi que estava melhorando comecei a retomar minhas atividades em casa”, pontua.
Todos os esforços somam-se à batalha contra o preconceito, que hoje resulta em respeito. “Todos que conhecem minha história me tratam muito bem, muitos fazem perguntas”, coloca, acrescentando que as dúvidas também partem de interessados em realizar a mudança.
Somente abraçada à fé e com apoio de entes queridos que Fabiane alcançou suas conquistas. “Atribuo ter passado por tudo o que passei a Deus. Não teria conseguido também sem minha mãe maravilhosa, Nadir, e meu companheiro que sempre esteve ao meu lado”, considera.
Para ela, a transformação de gênero teve implicações mais profundas, que coincidem na concretização de uma vida até então aprisionada pelo corpo. “O que passei foi uma transformação de corpo e de mente. Me tornei uma pessoa mais solidária. De tanto ter sido humilhada costumava não tratar as pessoas bem, com medo de não ser recíproco. Hoje, posso dizer que consigo levar minha vida normalmente, como qualquer outra mulher”.
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