Cotidiano | 04/08/2011 | 00:01
Nos primórdios da Festa de São Donato
Derlei Catarina De Luca - derlei.deluca@canalicara.com
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Nas décadas de 50 e 60, o acontecimento social mais esperado da cidade era sem dúvida a Festa de São Donato. Os atuais jovens de 50 anos que o digam. Oh! Mas era bom!
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Nas frias noites de agosto todos os içarenses se arrumavam e subiam o morro. Eram nove dias seguidos de novenas, barraquinhas de prendas, roleta, passeio, música... E, claro, todos de roupa nova.
Os padrinhos das novenas (porque cada noite tinha seus padrinhos) convidavam as pessoas e ficavam atentas para ver se todos compareciam. Era uma questão de prestígio. O padre trajava suas magníficas vestes, bordadas de amarelo parecendo fios de ouro.
As meninas e os meninos ficavam, atentos, próximo do altar. O senhor Nico Guglielmi dava o tom no órgão e o coral começava a cantar. Solenemente o padre adentrava ao altar. Terminada a cerimônia religiosa começava a festa.
Lá fora era o senhor João Cechella quem cuidava da música. Colocava música italiana nas alturas e a gurizada cantava “Santa Lúcia” aos berros. O público comprava um número da roleta da galinha assada e ficava esperando. Sempre alguém tinha sorte de ganhar. Todos atrás do ganhador pra pegar um pedacinho de galinha. O ganhador abraçava a galinha assada para não perdê-la e corria para a venda do de Bolis. Comiam galinha assada regada a rabo de galo.
Amendoim torradinho, pé de moleque, rosca de polvilho sequinha, cocada, nada fazia mal ao estômago de avestruz da criançada. Mas nada era melhor do que rabo de galo, um doce licor de chocolate. Descia queimando a garganta dos mais novinhos. Os mais velhos faziam ares de sabichão e achavam-se o máximo ao não fazer careta.
A novena, o passeio e as barraquinhas tinham de parar antes das 22h. Nesta hora, Antônio Fermo, dono da serraria, desligava o motorzinho que fornecia energia na praça e todos ficavam no escuro. Era preciso ir embora antes disso.
A véspera da festa era uma loucura. Mil coisas para fazer. Buscar o vestido novo na costureira, provar pela última vez o sapato - que invariavelmente apertava - e varrer toda a rua Marcos Rovaris que naquele tempo o Poder Municipal não se ocupava destes afazeres. Era tarefa para os adolescentes e crianças.
Limpavam toda a rua e o lixo era levado em carrinho de mão para lugares ermos. Não havia como escapar e, ninguém queria escapar. Cumprir a tarefa era sentir-se participante da festa e da cidade. O coletor público, Antônio Colonetti, recompensava as crianças oferecendo balas e elogiando.
E chegava o dia tão esperado. O pessoal do centro ia a primeira missa. Depois ficavam na janela observando a colônia polonesa que chegava para a missa das 10. Maria Rizzieri gostava de vestir as quatro meninas com saias rodadas e anágua de entretela que era um martírio. A cintura das meninas ficava marcada, mas quem se importava?
Dona Elvira Moraes Mattos controlava as filhas com mão de ferro. Não podiam demorar-se após a missa. Dolores, Dalva, Icelda, Ceneli, Neusa, Arlete preferiam ir a missa das 10h para mostrar os vestidos novos, do tipo melindrosa. Enquanto isso os pais estavam sempre nas rodas conversando sobre política, fazendo campanha eleitoral, contando novidades, comprando e vendendo farinha, discutindo o preço da saca de café, falando bem ou mal de Getúlio, Dutra ou Juscelino.
Joaquim Ramos, irmão do governador, ficava hospedado na casa de Jorge De Luca. A família Demboski hospedava os Konder Bornhausen. O Arcebispo de Florianópolis ficava na casa da nona Catarina Rizzieri. Nenhum adulto tinha tempo de cuidar das crianças. Quando se davam conta, estavam na venda de Bolis e já tinham tomado o tal licor.
Até música adaptada existia na época: “Na Içara tem palmeiras. Na Içara tem palmeiras. Tem o seo Bolis. Tem o seo Deguinho. Eles só vendem cachaça em copinho”. Uma injustiça com a venda do polonês mais famoso de Içara. Na verdade ele vendia rabo de galo.
Os adolescentes tomavam o licor e saiam a andar na praça da igreja. Os meninos olhavam as meninas e vice-versa. Os mais apaixonados mandavam dedicar uma música sem dizer o nome. Os mais afoitos chegavam perto das gurias. Ao entardecer, os adultos encontravam-se mortos de cansados. Mas as crianças, nem pensar.
O melhor da festa era a hora de derrubar as palmeiras fincadas no meio fio, para enfeitar a rua e extrair o mais puro palmito da Mata Atlântica. As mães só pediam que trocassem as roupas novas por outras, já surradas. Era o almoço do dia seguinte: polenta com palmito ensopado.