Cotidiano | 03/05/2013 | 07:17
Nu artístico: a pureza contra a hipocrisia
Especial de Djonatha Geremias, do Jornal da Manhã
Compartilhar:
A pureza da imagem de um corpo humano nu tem se perdido em meio a uma onda de mulheres-frutas, de músicos “populares” que cantam o sobrepujamento do sexo casual e de novelas, propagandas comerciais e programas de entretenimento que explicitam visualmente o apelo pornográfico. Já o “nu artístico”, referente à arte em essência, tornou-se mal visto pela mesma sociedade que aprendeu a supervalorizar o corpo-objeto, de indivíduos que precisam se afirmar sexualmente uns aos outros e que seguem uma tendência cultural empobrecedora vinda daqueles que se autointitulam “artistas” na grande mídia.
O desenhista internacionalmente premiado Breno Stern, que estuda, trabalha e vive em Criciúma, completa hoje 56 anos e é um dos poucos da região que ainda defendem a revalorização do nu artístico e a não exclusividade em se fazer arte apenas oriunda do lixo. Stern se destacou pela competência em fazer retratos de pessoas com diversos materiais, desde os rústicos carvões até os melhores pincéis e tintas profissionais do mundo.
Com traços firmes, rápidos e precisos, ele se popularizou por conseguir desenhar retratos ao vivo em poucos minutos, sejam de pessoa posando ou de eventos e momentos em movimento que exigem a captação da cena e da emoção rapidamente. O talento de um artista não se restringe à habilidade técnica que possui, mas também à capacidade de pensar a arte, a sociedade, si próprio e as emoções humanas, e Breno Stern é também um pensador crítico social. Para ele, o nu artístico é reflexo do medo da sociedade.
“A sociedade vive a pornografia, mas tem medo do nu artístico. Nos acostumamos com videoclipes de mulheres nuas dançando bobas em um carro, ao lado de algum cantor ou dupla se achando os maiores, mas as pessoas reagem com olhar de aversão à arte do nu, como se fosse imoral. Quando os europeus chegaram ao Brasil, consideraram os índios imorais porque andavam nus. Será que os europeus estavam certos? Para mim, o corpo nu é a imagem da pureza. Por que ter medo do próprio corpo? Por que querer transformá-lo? Qual o medo do nu? Enquanto a sociedade tentar preservar essa imagem de puritana, contra o nu artístico, mas a favor da cultura da pornografia midiática e vulgar, ela será sempre hipócrita”
Breno Stern, desenhista
O artista, que já recebeu 11 prêmios nacionais e cinco prêmios internacionais em 39 anos de arte, já desenhou várias modelos nuas. Retratos que mostram mulheres comuns com seios ou até mesmo o órgão sexual à mostra. No entanto, a conotação não é vulgar, ele explica. “As mulheres que posam para mim são mulheres comuns da sociedade, médicas, funcionárias públicas, professoras, entre outras, de diversas idades. Elas são pessoas maduras, seguras de si, com autoestima elevada. Porém, as pessoas ignorantes tendem a ver como se fosse perversão, algo impuro, feio. Um retrato que estou produzindo, por exemplo, é para uma mulher que quer enfeitar o quarto com um quadro dela nua, como decoração. Isso não faz dela uma mulher devassa, ao contrário das meninas que se entregam e se expõem para qualquer um. Já dizia o filósofo Friedrich Nietzsche, que ‘a liberdade é nunca mais ficar corado de si mesmo’. Quando os jovens veem os artistas de TV criando prêmios para entregar uns aos outros, locupletando-se, acontece o que o filósofo Duarte Júnior chama de ‘devastação psíquica’, fazendo o jovem querer valorizar aquilo que ele vê sendo valorizado. O que a arte quer não é combater pessoas, mas uma ideia”, defende Stern.
Essa ideia refere-se ao pensamento atual de que o importante é se dar bem fazendo o outro se dar mal, como acontece quando há a desvalorização do amor, do sentimento, do respeito e da memória, linguagens da arte que estão se perdendo. “Prefiro acreditar que o mais importante na arte é revelar o sentimento, da extrema alegria à depressão, de forma crua, sem poses. É preciso encarar a realidade. Não desisto da minha arte porque ela significa alguma coisa, não necessariamente no sentido financeiro, mas de expressão. Não sou normal, e quero mais pessoas anormais percebendo que não dá para fingirmos que está tudo bem, porque não está. O pensamento de ‘cada um por si e meu Deus por mim’ cria mulheres ansiosas, que precisam comprar mil vestidos e mil sapatos, e homens impotentes, que se sentem inferiores por saber que o vizinho tem um carro melhor, um pênis maior ou uma esposa mais bonita. Isso revela uma sociedade doente, e é contra isso que precisamos combater”, ressalta.