Cotidiano | 13/05/2012 | 09:35
“O amor substitui visão, audição e fala”
Especial de Rafaela Pereira, do Jornal Gazeta
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Ser mãe é o desejo da maioria das mulheres. O primeiro contato entre mãe e filho e a relação de amor é estabelecido quando a criança ainda está dentro da barriga. Por nove meses, a ansiedade de ver o rostinho parece não ter fim. Mas, enquanto umas lutam para concretizar esse sonho, outras não suportam o peso dessa responsabilidade. Prova disso, são os orfanatos que cada dia que passa estão mais lotados. E foi exatamente por não aguentar a tal responsabilidade que os pais de Jefferson Miranda Borges o entregaram para adoção.
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A nova mãe foi a moradora de Içara Ivone Miranda Borges. Entretanto, a história do pequeno Jefferson é ainda um pouco mais difícil. Ele tinha apenas três anos quando os pais se separaram. Desconsolado e sem encontrar alternativas, o pai buscou ajuda de Ivone que se prontificou de imediato. Durante um mês, ela abrigou o menino juntamente com o pai e a irmã.
Jefferson é autista e tinha dificuldades de se comunicar. O que despertou o zelo e atenção especial de Ivone. Depois de encontrar um emprego em Lages, o pai biológico se mudou para a cidade e deixou as crianças em Içara. Meses depois voltou dizendo querer os filhos de volta. Foi então que Ivone entrou na justiça e recebeu o direito de ser mãe do pequeno Jefferson.
“Ele era pai e tinha seus direitos. Mas eu provei que o Jefferson precisava de atenção especial por ser autista. Atenção que eu estava totalmente disposta a oferecer. E para a minha alegria, a Justiça me concedeu esse direito”, relembra. Adotar uma criança é um grande gesto de humanidade e amor ao próximo. Adotar uma criança portadora de uma doença, reforça ainda mais esse ato.
Mas os problemas do pequeno Jefferson não se resumiam apenas ao autismo. Logo nos primeiros meses em que o adotou, Ivone soube que além de ser autista, também era totalmente surdo. Ela relembra os primeiros anos e os caracteriza como difíceis. “Eu já havia trabalhado na Apae e achei que o trabalho se daria da mesma maneira. Só que depois de um dia de trabalho, eu voltava para a minha casa e dormia. O Jefferson dependia de mim 24h. A maioria dos autista não fala e ele também não escutava. A comunicação se dava através de gestos e foi muito difícil para ele me compreendesse”, conta.
Outra dificuldade que ela encontrou foi o apoio do marido, parentes e amigos próximos. Em 1990, ano em que adotou Jefferson, ela havia sofrido um acidente de carro que resultou em um traumatismo craniano, fraturas e um rosto deformado. Ainda precisava passar por cirurgias e sua saúde estava debilitada. Por esse motivo, o marido dizia que ela não teria força de cuidar de uma criança em tais condições. Ivone já era mãe de uma menina, na época com dez anos.
“Ele, assim como outras pessoas, não aceitavam aquela situação. Eu tinha acabado de sofrer um acidente e precisava de ajudava médica. Mas nem isso me conteve. Deus tinha colocado Jefferson no meu caminho e eu sabia que era meu dever cuidar, zelar e oferecer carinho para aquela criança”, diz emocionada.
Ivone relembra que chorou muitas vezes. Ia à igreja quase todos os dias e precisou de muita ajuda. “Antes de saber que ele era completamente surdo, o Lions Club realizou uma campanha para conseguir aparelhos de audição para ele. Com muita ajuda conseguimos, mas Jefferson não se adaptava. Foi então que descobrimos que o problema auditivo dele não tinha reversão. Foi tudo muito difícil. Eu sofri demais para conseguir lidar com a situação e sofria mais ainda quando olhava pro Jefferson e percebia que ele precisava de ajuda”.
Mesmo diante de tantas dificuldades, Ivone se mostrou forte e tentou conciliar os cuidados com a sua saúde, Jefferson e a outra filha. Foi do pequeno garoto que ela buscou inspiração para ser uma das fundadoras da Associação de Amigos de Autistas da Amrec (Ama-Rec). A instituição foi criada em 2001 com o objetivo de oferecer auxílio e orientar os pais que tinham filhos autistas. Até então, pouco se sabia sobre a doença e as Apaes não correspondiam às expectativas.
Hoje a Ama, que fica localizada em Criciúma, onde Ivone é presidente, possui 46 alunos cadastros com faixa etária entre 2 e 45 anos. Mais de 25 profissionais entre psicólogos, neurologistas, pedagogos, fonoaudiólogos, enfermeiros, terapeutas e assistentes sociais integram a equipe que atende as crianças diariamente.
“As crianças são educadas através da Metodologia Teacch, em grupo e individualmente. Isso depende da necessidade de cada aluno. A criação da Ama foi fundamental para oferecer um ensino de maior qualidade para essas crianças e também para auxiliar os pais. O autista vive maravilhosamente bem dentro do mundo dele. Eles são felizes e cada dia que passa, nos mostram uma lição diferente de vida. Esse trabalho é gratificante”, relata.
Ao olhar para trás, Ivone conta que não se arrepende de nada e faria tudo de novo. Ela diz que entre ela e o filho, existe uma linguagem de amor que não tem explicação. “Nós conseguimos nos comunicar de uma maneira inacreditável. Só com o olhar eu consigo saber o que ele quer e do que precisa. Nós temos uma linguagem que é impossível explicar, só deve compreender”, conta sem conseguir segurar o choro.
Questionada sobre o que Jefferson representa em sua vida, ela não titubeia e diz enfaticamente: "tudo”. E completa dizendo que o amor entre eles vai além. “Com meu filho aprendi que o amor substitui visão, audição e fala. O amor gera alegria, saúde e tudo o que há de bom. Hoje somos uma família feliz, minha filha também trabalha na Ama e tem um amor incondicional pelo irmão”.
É através dessa comunicação de Ivone tem certeza que Jefferson sabe que ela é sua mãe. “Foi uma troca. Ele me ensinou muito e eu ensinei muito a ele. Eu ressalto todos os dias o quanto o amo e que eu sou sua mãe. Sei que ele sente de alguma forma. E no dia das mães sempre me desenha. Sem sombra de dúvida, ele mudou a minha vida”, finaliza.
1. Distúrbios no ritmo de aparecimento de habilidades físicas, sociais e lingüísticas;
2. Reações anormais às sensações. As funções ou áreas mais afetadas são: visão, audição, tato, dor, equilíbrio, olfato, gustação e maneira de manter o corpo.
3. Fala ou linguagem ausentes ou atrasados. Ritmo imaturo da fala, quando surge, restrita compreensão de idéias. Uso de palavras sem associação com o significado.
4. Relacionamento anormal com objetos, eventos e pessoas. Respostas não apropriadas a adultos ou crianças. Uso inadequado de objetos e brinquedos.