Cotidiano | 14/10/2013 | 09:42
O espetáculo da vida não pode parar
Lucas Lemos - lucas.lemos@canalicara.com
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O objetivo primário das pessoas é ser feliz. A sensação pode estar presente na aquisição de bens ou na realização de sonhos, por exemplo, o casamento. Tudo pode ser um objetivo. No meio do caminho, estão também os obstáculos. As dificuldades servem de combustível para algumas pessoas. Para outras, pode significar um poço quase sem fim. A diferença está em como é interpretada a vida pelo próprio indivíduo, além de variar conforme a alimentação, as relações sociais e doenças.
“A resiliência é um conceito derivado da física, porém bem aplicado a psiquiatria e psicologia, definida como a capacidade do indivíduo lidar com problemas, superar obstáculos ou resistir à pressão de situações adversas sem entrar em surto psicológico. Esta capacidade é o que acaba nos tornando mais ou menos felizes. Então, podemos perceber que a real felicidade é algo difícil de ser atingido, mas que com certeza a atingimos quase que em sua plenitude”, resume o professor, médico e doutor em Ciências da Saúde, Gustavo Feier.
Em consequência das variantes de uma pessoa para outra, não existe uma receita fixa para se chegar à plenitude almejada. De acordo com a psicóloga especializanda em Saúde Mental, Maria Eduarda Pacheco, esta sensação depende do que cada pessoa entende necessário para atingir o bem-estar biológico, psicológico e social. “Porém, como é sempre muito difícil se alcançar o verdadeiro equilíbrio, alguns autores colocam como parcialmente atingida por todos”, acrescenta Gustavo.
No aspecto hormonal, a felicidade está ligada a serotonina. Ela atua no cérebro e regulamenta o humor, sono, apetite, ritmo cardíaco, temperatura corporal, sensibilidade a dor, movimentos e as funções intelectuais. “Alguns alimentos proporcionam a sensação de bem-estar e nos dão prazer de comer, por exemplo, o chocolate, que estimula a serotonina”, recomenda a nutricionista Renata Rabelo. A produção do hormônio do bom-humor pode ser buscada com a ingestão de alimentos que tenham triptofano. A substância está presente também em nozes, leite, castanha, banana, abacate, arroz, batata, feijão e no mel.
Outra forma de buscar o bem-estar é com exercícios físicos regulares. “Quando se pratica atividade física, várias mudanças ocorrem em nosso corpo, por exemplo, com o aumento da frequência cardíaca, da oxigenação, a liberação de calor, melhoria no fluxo de sangue no cérebro, além da liberação de adrenalina, endorfina entre outros. Por tudo isso proporciona resistência ao estresse, melhora a autoestima, a pessoa fica mais estável emocionalmente e aumenta a disposição para os fazeres do dia-a-dia”, garante o professor de Educação Física, Rafael Cechinel.
O contato físico também contribui para a felicidade. Isto inclui desde um simples abraço até o sexo. “É um modo de comunicar e expressar sentimentos. Isto é extremamente importante para quem distribui e para quem recebe. Ajuda na autoestima”, resume a psicóloga Maria Isabel da Silva Custódio. “Pessoas que tenham aversão ao contato físico, quando tocadas, podem sentir-se irritadas, invadidas e até mesmo tristes. Para àquelas que gostam de contato, serem tocas, abraçadas e beijadas, podem provocar sensações de prazer”, complementa Maria Eduarda.
A felicidade aparece ainda de formas diferentes conforme os conceitos de prazer, medo, culpa, alegria e de tristeza entre homens e mulheres. No caso delas, existe o peso de administrar a carreira profissional, o lar e a família, das oscilações hormonais provocadas pelo ciclo menstrual, a gravidez e a menopausa. Também por isso existe uma desigualdade na busca de auxílio médico. “O homem é mais difícil de procurar ajuda quando necessita por ainda ser caracterizado como sexo forte. A mulher vai mais à busca de respostas para o que esta sentindo, tanto fisicamente como sentimentalmente”, pondera Maria Isabel.
A falta de ar, o suor frio e o coração acelerado fizeram Ana Paula Raichaski correr atrás de uma explicação. “Fui a vários médicos, inclusive no cardiologista. Nenhum chegou a uma conclusão e diziam que eram sintomas do estresse”, lembra. No caso dela, no entanto, o problema estava no hipotireoidismo. A falta dos hormônios produzidos pela tireoide afeta principalmente mulheres e desencadeia sintomas iguais aos da depressão. “Quando eu não me tratava, estava sempre pra baixo, sempre com uma sensação de que algo ruim ia acontecer, de que eu ia morrer. Era uma agonia", coloca a jovem içarense.
A vontade de viver de Sandra* quase sumiu após a separação de um casamento de 17 anos e a gravidez. No caso dela, por causa da depressão. “Hoje não tenho mais vontade de fazer comida. Meu desejo é ficar somente na cama. Já emagreci, tive queda de cabelo e choro sempre. Também tenho dificuldade em atender a criança, mas não consegui nenhuma creche para colocar ela. Por isso também estou sem trabalhar. Já tive depressão em 2005. Na época fiquei abatida pela existência de células de câncer no útero. Fiz o tratamento e melhorei”, aponta após a recaída aos 39 anos.
Para o diagnóstico da depressão, é essencial que haja associação da tristeza ainda com alteração de peso, do sono, retardo ou agitação psicomotora, fadiga, perda de energia, sentimentos de menos valia, de culpa e a diminuição da capacidade de concentração. “Esses sintomas devem estar presentes por pelo menos duas semanas consecutivas e precisam trazer prejuízos à rotina do paciente”, distingue Maria Eduarda. “O que ocorre é que as pessoas confundem depressão com tristeza. Tristeza é um estado de humor levemente deprimido, momentâneo e pode ser considerado saudável, pois ajuda na elaboração de perdas ou sofrimentos ocasionais”, alerta Gustavo.
“O desânimo vi chegando, o cansaço foi me tomando, a ansiedade me dominava. Corri, chorei, bati e gritei. Com pedidos de socorro clamei, mas ninguém me atendeu. Era o ânimo que me faltava. O dissabor me torturava. A tudo descrente fiquei. Até que gritei calado. Um grito bem sufocado. Dos que falam alto com a gente. Senti que quanto mais eu quero, o que peço eu pouco espero. Está tudo em minha própria mente”. Assim foi o grito da consciência de Leonarda da Silva Fernandes. O fundo do poço em que considerava ter chegado foi descrito num livro construído ao longo do tratamento no Centro de Atenção Psicossocial de Içara. O lançamento da obra ocorreu em 2005, aos 56 anos de idade.
O tratamento de forma geral depende de medicamentos que ajudam a regular os sistemas de neurotransmissores. Além disso, é preciso procurar as causas sociais e seguir as orientações clínicas à risca. O componente genético não é muito expressivo. Também não contagia no contato físico das pessoas. Mas a depressão pode se espalhar no meio social entre as pessoas que já tem resiliência baixa. “É de grande importância o acompanhamento do psicólogo, pois, através dele, o depressivo vai saber trabalhar a principal fonte do problema, como agir para não cai novamente na doença e saber identifica-la quando ela estiver chegando”, receita a psicóloga Maria Isabel.
“Quando o tratamento é interrompido antes do prazo necessário (que é variável) geralmente o paciente acaba por experimentar o retorno dos sintomas iniciais. Neste segundo momento os sintomas acabam se agravando e o tempo de tratamento se prolonga. Alguns pacientes, devido aos frequentes abandonos de tratamento acabam tendo a depressão cronificada”, exclama Gustavo. “Temos em média 20% de abandono geral na psicoterapia, mas não especifico da depressão. A maior dificuldade é que as pessoas tomam medicamento num período muito curto e creem ter melhorado, pois os sintomas desaparecem”, contabiliza o coordenador de Saúde Mental no município, Sérgio Leonardo Gobbi.
O Ambulatório de Saúde Mental de Içara atende atualmente 4,2 mil usuários com depressão ou transtornos de ansiedade. O número representa 8,1% da população da cidade. Conforme Sérgio, o principal motivo observado para os distúrbios é o estilo de vida. Entre as causas mais constatadas aparece ainda o uso de álcool e drogas aparece entre causas. Em menor número há também a depressão pós-parto, tendência genética, crises econômicas, crises sociais na família ou no grupo profissional, além de traumas após acidentes.
AJUDA – A Internet pode auxiliar na fuga da depressão. Para isso é preciso não deixar que o mundo virtual interfira na vida real. Conforme a psicóloga Maria Eduarda Pacheco, esta dificuldade de percepção ocorre principalmente entre aqueles que já enfrentam problemas em relacionamentos no dia-a-dia. As redes sociais na web servem então como um meio por ser menos intimista para o contato com outras pessoas. “Apesar de a maioria das pessoas utilizarem este canal de comunicação para mostrar como a sua vida é feliz e perfeita, há também procura significativa de pessoas que utilizam para comunicar, resolver suas duvidas, crises, tristeza e, para um desabafo. A rede social tem mais a auxiliar do que a deprimir”, pontua a psicóloga Maria Isabel. Essa ajuda também pode ser buscada pelo telefone. O serviço para isso é o Centro de Valorização da Vida. O CVV funciona no telefone 141.
*Sandra é um nome fictício utilizado para preservar a identidade da fonte.