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Cotidiano | 18/01/2019 | 20:06

O que podemos aprender com a jabuticaba?

Simone Luiz Cândido

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Quem planta jabuticabas por muitas vezes pode esperar muitos anos até colher os frutos. Tive a oportunidade de plantar sementes de jabuticaba que trouxe de onde era a casa da minha avó. Colhi os frutos 13 anos depois do plantio. Hoje deve ter uns 27 anos. Essa é a chamada jabuticaba comum e dá frutos uma vez ao ano entre outubro e novembro.

Belíssima lembrança de minha infância na casa da Vó Ana em Içara. Essa casa era tamanho 4x6 metros no máximo. Pé de jabuticabas ao lado da casa, na frente um pé de brinco de princesa que eu gostava de enfeitar meus cabelos. As canecas de esmalte com flores, a forma esmaltada com flores. Bolacha em formato de joelho nos potes para quando chegavam os netos em casa.

Era tudo muito simples. As louças eram lavadas dentro de uma bacia num suporte de madeira colocado do lado de fora da janela chamado lavandim. E quando fazíamos arte nos chamava seus GRAMPUTAS. Eu nem sabia que esse termo realmente existia. Nossa avó Ana nasceu em 9 de novembro de 1909. Pesquisei essa palavra e encontrei o significado: GRAMPUTA são “crianças que aprontam muito, que tiram seus pais do sério”.

Tempo muito bom na casa da vó. Cheiro de infância de simplicidade. A jabuticabeira ainda existe. Onde era a casa hoje passa a Rua João Valvassori, próximo ao viaduto no Jardim Elizabete. Herdamos essa simplicidade, esse jeito de amar a família, esse tipo de afeto. Alguns de nós gostamos de cozinhar. Lembro sempre do primo Sérgio fazendo comida para os netos. Deixou um legado de amor. Das polentas com peixe frito, marca registrada da família Luiz. Saudades imensas da casa da vó, que mudou daqui para outro plano no ano de 1983.

Cada vez que eu vejo um pé de jabuticaba lembro-me de muitos da família Luiz, do pé que plantei (de semente jabuticabeira maior que ainda existe onde era a casa da vó). Hoje sou muito feliz por ter tido uma infância tão boa. Todos os sábados vínhamos visitar a vó. Recordações de um tempo onde tudo era simples, mas muito valorizado.

Olhando as jabuticabeiras aqui de casa continuo me impressionando. Uma delas tem mais de 20 anos, deu frutos com uns cinco anos. Resiste muito bem e dá frutos várias vezes por ano, pois é de enxertia. Seu caule tem várias cicatrizes, onde já frutificou muitas vezes. Na mesma planta tem flores e frutinhas miniaturas brotando. Quanto mais o tempo passa mais cicatrizes ficam, mas ela continua florindo e frutificando.

Penso nas pessoas, muitas vezes feridas, machucadas pelo tempo, por tudo que acontece na vida. Mesmo assim permanecem florindo e dando frutos. Quem planta jabuticabas muitas vezes não colhe. Foi o caso da minha mãe, que plantou essa muda aqui de casa. Ela sempre nos dizia e guardo para vida toda: “Se eu não colher, alguém depois de mim colherá". Precisamos plantar mesmo com cicatrizes, seguimos plantando deixando a doçura daquilo que um dia foi.

Florescer é preciso para produzir frutos mesmo com as cicatrizes. Tenho certeza, em meio às cicatrizes, podemos deixar perfume das flores e a doçura do fruto que um dia plantamos. Quem planta colhe ou deixa para os outros colherem. Na nova casa que estamos morando tive a satisfação de encontrar rosas maravilhosas plantadas por dona Cecília, que, aos seus 80 e poucos anos mudou para outro plano em outubro do ano passado.

No quarto das meninas vem o cheiro maravilhoso das rosas e da alfazema perfumada, ao redor da casa tem as maravilhosas ervas que fazia seus chás, algumas laranjeiras recém-plantadas, outras cheias de laranjas. Cada dia mais compreendo a lição das jabuticabas do plantar sem pensar se vou colher ou se deixarei para os próximos que virão.

Hoje colhi o primeiro figo dos três que nasceram no pé que a dona Cecília plantou. Na outra casa que moramos plantamos um Flamboyant e uma goiabeira. A vizinha me questionou: “Que dó deixar aqui.” Eu respondi: “Plantei sabendo que estamos de passagem. Se vingar e não cortarem alguém há de colher”. Essa é a diferença que podemos fazer no mundo em que vivemos plantamos para o outro. Se colhermos é lucro.