Cotidiano | 15/04/2017 | 11:00
Opinião: o corpo humano em órbita
Leitor Mario Eugenio Saturno*
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Quando assisto novamente aos filmes da minha juventude, nos anos 70, a conquista do espaço tinha uma ingenuidade gigantesca. Como se fosse possível permanecer no espaço sem danar a saúde. Hoje, os perigos da exploração espacial são muito claros.
Há 50 anos, a Apollo 1 sofreu um acidente inesperado. Um incêndio na cabine, durante os treinos de lançamento, matou todos os três tripulantes. A NASA ainda enfrentou grandes perdas no lançamento do ônibus espacial Challenger, que explodiu, matando todos os sete tripulantes e o ônibus espacial Columbia, que se desintegrou durante sua reentrada, matando outros sete.
Mesmo em missões bem sucedidas, as tripulações enfrentam uma infinidade de problemas no espaço, onde a radiação é 10 vezes maior que aqui, o que aumenta os riscos de câncer. O coração e o sistema imunológico enfraquecem, os ossos perdem minerais e densidade a uma taxa de 1% ao mês. Os fluidos redistribuem-se pelo corpo, longe das pernas, e para os astronautas mais velhos, a visão de perto se deteriora.
Para estudar melhor o efeito do espaço em um astronauta, a NASA aproveitou uma oportunidade única. Em seu quadro, havia dois astronautas que eram gêmeos, o capitão Scott Kelly e o comandante do ônibus espacial Mark Kelly. Scott foi selecionado para o programa espacial em 1996, participou em quatro missões de 1999 a 2016 e totalizou 520 dias fora da Terra. Mark também foi selecionado em 1996, voando em quatro missões de 2001 a 2011 a bordo de Endeavor e Discovery, visitou a ISS quatro vezes e registrou mais de 50 dias no espaço.
Em novembro de 2012, Scott foi escolhido para participar da missão de um ano, uma estada de um ano a bordo da ISS, no Programa de Estudo dos Gêmeos, da NASA, para ver as transformações que o corpo sofre quando no espaço, e que contou ainda com Mark, como controle em terra, e dez equipes de pesquisadores que analisaram Mark e Scott, antes, durante e após a missão.
Já se descobriu um declínio na formação dos ossos durante a segunda metade da missão de Scott e alteração da ação dos genes. As modificações químicas no DNA de Scott diminuíram enquanto ele estava no espaço, mas voltaram ao normal na Terra. O mesmo ocorreu com os telômeros. Parte do estudo dos gêmeos envolveu testes que medem a resposta do corpo, postura e destreza. O Teste de Tarefa Funcional não encontrou diferença substancial entre os resultados dos astronautas no espaço. Entretanto, o tempo de reação e a precisão diminuíram em microgravidade.
O objetivo do estudo foi verificar em que condições estará o corpo humano após uma viagem de seis meses para Marte. E a NASA confirmou que não existe nenhum impeditivo de saúde para missões espaciais humanas mais longas, ou seja, a corrida por Marte continua. O maior impedimento para ir a Marte é o custo, afirmou Scott, acrescentando que se isso for superado, a tecnologia já existe e ele mesmo apresentou-se como voluntário para a missão de três anos ao planeta vermelho. Chegar ao planeta vizinho é questão de tempo.
*Mario Eugenio Saturno é tecnologista sênior do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e congregado mariano.