Cotidiano | 24/02/2018 | 11:00
Opinião: Sobre o desejo de usar cocaína
Leitor Mario Eugenio Saturno*
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Em um novo estudo da Universidade de Michigan divulgado no Journal of Neuroscience, cientistas descobriram que a ativação de uma parte da amígdala, uma região cerebral em forma de amêndoa, intensifica a motivação para consumir cocaína muito além dos níveis habituais das drogas, tal como acontece com o açúcar, por exemplo, que tem a capacidade de intensificar o desejo por alimentos doces.
Segundo Shelley Warlow, autora principal do estudo, a amígdala do cérebro parece desempenhar um papel fundamental na dependência de drogas. Para os que se tornam dependentes em drogas, estas se tornam o único objetivo de desejo. Entretanto, muitas pessoas experimentam drogas sem se tornarem viciadas e levam vidas normais buscando um equilíbrio saudável de recompensas diferentes, ou mesmo desistindo das drogas por completo.
Já para os viciados, as drogas tornam-se tão atraentes que causam motivação intensa e focada totalmente na obtenção das drogas à custa de outras recompensas da vida normal. Os pesquisadores primeiro implantaram um cateter nos ratos, o que permitiu que os animais consumissem doses de cocaína ao encostar o nariz em pequenos orifícios na parede. Sempre que os ratos encostavam o nariz no buraco para consumir cocaína intravenosa, uma luz laser também ativava, sem provocar dores, os neurônios na amígdala central ao mesmo tempo.
Ao encostar seu nariz em um buraco diferente, os ratos ingeriam cocaína, mas sem ativar a amígdala. Quando conseguiam escolher livremente entre essas duas recompensas, os ratos se concentraram apenas no porto em que obtinham cocaína junto com o laser ativador da amígdala, e consumiram muito mais cocaína do que ratos sem ativação da amígdala e passaram mais pelo buraco laser- cocaína como se buscassem mais.
Os ratos também se mostraram mais dispostos a trabalhar, quase três vezes mais, para obter cocaína, conforme relatado no estudo. Os ratos mostraram-se indiferentes à ativação da amígdala pelo laser quando oferecido sozinho. A ativação da amígdala apenas intensificou a motivação quando a cocaína também estava presente. Em contraste, quando os pesquisadores inativaram temporariamente a amígdala usando uma infusão de drogas indolor, os ratos deixaram completamente de responder à cocaína.
Em outra pesquisa, liderada por Bryan Singer da The Open University, os cientistas descobriram que as regiões cerebrais principais que regulam os hábitos não estavam envolvidas na busca por drogas, conforme se suspeitava em pesquisas feitas anteriormente, mas eram em outras regiões do cérebro, as ligadas à motivação, as responsáveis pela busca por drogas.
Em estudos anteriores, ratos e outros animais repetiam o mesmo comportamento, como pressionar uma alavanca ou inserir o nariz através de uma porta, para obter as drogas. Como os desafios sempre mudaram após algumas semanas de testes, o comportamento de dependência dos ratos nunca se tornou automático ou habitual. Quando se compreender as áreas do cérebro e os mecanismos envolvidos na motivação para drogar-se, poderemos criar melhores tratamentos para a dependência e também para outros transtornos compulsivos.
*Mario Eugenio Saturno é tecnologista sênior do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e congregado mariano.