Lucas Lemos [Canal Içara]
Cotidiano | 24/06/2017 | 11:00
Relâmpagos que emitem nêutrons
Leitor Mario Eugenio Saturno*
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Todo mundo sabe que raios produzem som, forte estrondo, luz e corrente elétrica com muita energia, mas, muito provavelmente será a primeira vez que lerá que os relâmpagos também geram raios gama, raios X, pósitrons e nêutrons. Ficou surpreso? Eu também! Inacreditável, até poucos anos atrás.
E o Brasil é uma das regiões com maior atividade de tempestades do planeta, e potencialmente uma das regiões do globo com maior produção dos chamados Eventos Luminosos Transientes (ELT) e Flashes de Raios Gama Terrestres (FGT). Em outras palavras, um lugar ótimo para cevar cientistas.
Assim, foi nucleado na Divisão de Aeronomia do INPE o primeiro e único grupo de cientistas na América Latina que estuda o Acoplamento Eletrodinâmico Atmosférico e Espacial, nos Eventos Luminosos Transientes, dos quais os “Sprites” são os mais conhecidos, e pelas Emissões de Alta Energia de Nuvens de Tempestades (EAET), como os Flashes de Raios Gama Terrestres.
Os “sprites” foram descobertos em 1989 e os FGT em 1994, constituindo uma nova área de pesquisa estudada mundialmente. Os ELT acontecem na atmosfera superior acima de nuvens de tempestade, de 18 a 100 km de altitude, e são geradas pela atividade elétrica dos relâmpagos dessas nuvens. As emissões de alta energia, resultantes dessa atividade são observadas do espaço, por satélites, e também no solo, por sensores de raios gama, raios X, feixes de pósitrons e de nêutrons.
A humanidade sempre foi fascinada pela energia que flui de cima para baixo, mas nos anos 60, o primeiro mecanismo de transporte para cima de energia produzida na camada atmosférica mais baixa, a Troposfera, foi descoberto na forma de ondas de gravidade. Os sistemas meteorológicos de tempestades, subproduto da energia solar, são as fontes mais significativas de ondas de gravidade, transporte mecânico de energia. Recentemente, em 1989, outro processo de transporte para cima da energia de tempestades, dessa vez, elétrico, foi descoberto e alguns anos depois denominado “sprite”. Desde então, novos tipos de transporte elétrico de energia para a alta atmosfera e espaço, associado às tempestades, foram descobertos.
Para se ter uma ideia, a energia depositada na Mesosfera, que vai de 40 km a 90 km, por um “sprite” é estimada de 1 a 10 MJ (ou 300 Wh a 2 kWh). Com as medidas fotométricas que foram feitas, descobriram que as emissões luminosas são menos de 1% do total, a maior parte da energia é depositada em estados eletrônicos excitados ou estados vibracionais e rotacionais não radiativos (isto é, que não emitem luz) do nitrogênio e oxigênio e que podem iniciar cadeias de reações.
A taxa de ocorrência global de “sprites” é estimada de 200 a 25.000 sprites/dia e a taxa de deposição de energia na média e alta atmosfera é de 200 MJ a 250 GJ por dia, demonstrando a importância dos ELT na dinâmica do sistema atmosférico e composição da média e alta atmosfera global, pelos processos químicos por eles gerados. E no Brasil esses efeitos seriam acentuados devido à alta incidência de tempestades. A se confirmar, desde que a classe política continue financiando esses estudos.
*Mario Eugenio Saturno é tecnologista sênior do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e congregado mariano.