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Cotidiano | 29/07/2023 | 11:12

Simone Cândido: Quantas lembranças cabem em uma fotografia?

A vida é sobre deixarmos nosso melhor por onde passarmos.

Simone Cândido

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Aquela foto estava amarelada pelo tempo. Datava dos anos 80, quando crianças brincavam no gramado do sítio da tia, onde a família se encontrava nos fins de semana. Aquela não era só uma simples fotografia; era o registro de uma infância feliz. Primos que eram unidos pelo riso, pelas colheitas de laranjas, goiabas e amoras nativas. Tudo era simples, mas tinha grande significado.

Lá pelo meio da tarde, os primos já estavam cansados de brincarem e a tia dona do sítio chamava a criançada para tomar café com bolinhos de chuva feitos no fogão a lenha, fritos no caldeirão de ferro. O bolo de nata, o café com leite fervido na hora. O cheiro das bergamotas ainda estava nas mãos de cada um deles. Lavavam as mãos e iam saborear o gostoso café da tia Nair.

A nona Rosa vinha devagar, caminhava com dificuldade, mas vinha para o café com os netos. Nona Rosa era viúva e morava com a filha; sua saúde era frágil, mas a filha fazia o papel da casa da vovó, nesse caso era a nona, pois era descendente de italianos. Algum tempo depois, a nona Rosa partiu para a eternidade, deixando lembranças de amor, afeto, e suportou as dores físicas das doenças que a faziam sofrer. Viveu, cuidou de nove filhos e deixou o legado da fé para cada um deles; mesmo nas suas piores dores, continuava suas orações.

O cheiro do café feito no fogão a lenha, do leite fervido, dos bolinhos de chuva, continua presente. A linda lembrança de uma infância divertida correndo na grama, brincando de bola, balançando nas folhas de coqueiro, escorregando no pequeno barranco com as folhas grossas que caíam dos coqueiros. Não existiam brinquedos melhores. Alguns dos primos aprenderam a andar de bicicleta ali mesmo no gramado, risos, quedas na grama, aprendizados para uma vida inteira. Cresceram, tornaram-se adultos, casaram, tiveram filhos. Cada um seguiu seu destino. O afeto daquela foto já amarelada continuou intacto.

Infelizmente, no meio desse caminho, alguns primos partiram para a eternidade, de acidentes, doenças, e até a covid-19 levou um deles, o Júlio César. Cada um dessa foto já amarelada pelo tempo marcou a história, deixou seus rastros por onde passou. Não serão esquecidos nem apagados. Os que ficaram têm a certeza de que aquelas crianças da foto já amarelada vieram para cumprir propósitos; alguns partiram antes, outros continuam seu legado, amando e distribuindo boas ações por onde estão.

Júlio César, antes de partir vítima da covid-19, ajudou muitas pessoas; não teve medo de fazer o bem por onde andou. São esses rastros do bem e do amor ao próximo que cada um pode deixar. E lá no futuro, quando alguém olhar a foto amarelada pelo tempo, terá a certeza de que fez o melhor por onde passou. E quem sabe lá no futuro alguém diga: "essa foto é de meus ancestrais, aqueles que vieram antes de mim, aprender e ensinar às que vierem depois com seus rastros." Rastros que não têm dinheiro que pague o legado de seus ensinamentos. A vida é sobre isso, sobre deixarmos nosso melhor por onde passarmos.