Cotidiano | 16/07/2011 | 10:19
Zequinha e a marreca na linha férrea
Derlei Catarina De Luca com informações de de José Carlos Cechinel, nascido em Içara, ex- prefeito de São José, professor da UDESC, onde exerceu o cargo de Reitor.
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Deus, para compensar a feiúra e a pequenez do corpo, deu ao Zequinha da marreca grandeza de alma. O que tinha de franzino, tinha de esperto. Tinha um jeito especial de pedir esmolas. Pouca introdução e um longo agradecimento.
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“Brigado senhora... que Deus ajude..., que este dia seja maravilhoso pros seus filhos também, também pro seu marido. A senhora não sabe o bem que tá fazendo... Coitada da minha mãe, tão doente. Vou rezá pra senhora..., pra sua família. Vou rezá um terço pra Nossa Senhora...”
E ia. De fato, às noites, Zequinha estava sempre na igreja, se rezava o terço não sei, mas ele estava lá. Adquiriu credibilidade pelo que prometia. Foi noite dessas que me falou da marreca. Mas antes contou a estória da farinha.
Naquele tempo, Içara tinha o tal de trem de passageiros com vagões de primeira classe e os de segunda. Um que saia de Araranguá e ia até Imbituba e outro que sai de Imbituba e ia até Araranguá. O encontro dos trens se dava em Jaguaruna.
Na espera de um pelo outro, havia uma verdadeira festa,uma grande feira na estação e dentro deles também. Era um amontoado de vendedores. Gente grande e criançada.Era uma gritaria, um pregão só. Cada um berrando o mais que podia. “Olha o butiá, butiá... Pastel... Cocada, cocada... Pé de moleque, vai...”
E lá o Zequinha. “Uma esmola, por favor. Uma ajudinha”. “Pedindo esmolas na Jaguaruna, Zequinha?”. “Aqui todo mundo me conhece, é só mixaria”. Verdade, talvez nem valesse a reza. Zequinha então costumava pegar o trem, ia até a Jaguaruna e voltava.Passava de vagão em vagão e, com gente diferente, sempre caía uma ajudinha.
Naquele dia, passou por passar ali nos armazéns do seu Jorge e eles lhe deram uns quilos de farinha. Colocou no saco, desses com duas bocas, que facilita carregar no ombro e foi. Na volta, o desastre aconteceu. Fazia calor que dava dó. A fumaça da Maria Fumaça, o cheiro de carvão e outros cheiros tomavam conta da segunda classe, bancos de madeira entrelaçados. Gente fumando, falando alto, tossindo, cuspindo pro lado de fora. E a Maria Fumaça vai que vai, de quando em vez uma arrancada brusca. Uma senhora gorda brigava com o filho que corria no vagão.
“Seu atentado, te esgoelo, vem cá seu peste”. E o Zequinha ali, de banco em banco: “Uma ajuda, uma ajudinha”. E foi nessa que a Maria Fumaça deu um sacolejo, jogando o pimpolho da gorda sobre o Zequinha e o Zequinha jogando a farinha sobre todos. Foi um Deus nos acuda. Um Virgem Nossa Senhora. E xingação pra tudo quanto foi lado.
“Filho da p#$# gritou alguém, depois um coro... desgraçado... imbecil...miserável... seu demônio, joga este infeliz pra fora”. E foi nessa que o Zequinha saiu de fininho, pulando para o outro vagão.O furdunço continuava. A moça da frente berrava, achando-se agora feia. Pudera! Suor e farinha, uma meleca só. A gorda sacudia o sovaco todo esbranquiçado, xingando ora o Zequinha, ora o filho.
A zoeira só acabou já quase perto da Içara e Zequinha mais que depressa, saltou rápido e sumiu lá pros lados do seu Colonetti. Sim... e a marreca? É que vinha ali da Criciúma ganhada de Dona Zurmirinha uma marreca. D.Zulmirinha tava cansada dela, pois a danada não botava mais ovo e fazia muita sujeira.
“Queis pra ti Zequinha? Podi levá”. Ele então pegou a marreca, tirou alguns quilos de esmolas, passou para outro compartimento do saco e ajeitou um lugarzinho pra marreca. Por segurança, botou a bichinha debaixo do braço, deixando só o pescoço de fora pra ela não morrer. Ela tava toda alegre, pescoço prum lado, pescoço pro outro, pra frente... Feliz.
Foi quando ele já estava na primeira classe, fazendo os seus pedidinhos que um senhor bem vestido começou a resmungar, desaforando o coitado, mandando-o trabalhar, e foi nessa que Zequinha sentiu que a marreca ia escapar, mas já era tarde. Uma bicada só e o sangue já escorrendo. O bonitão fora mais rápido, escondendo o dente de ouro que a pobrezinha confundira com um grão de milho. Zequinha não parava de rir, nem o pessoal do trem.