Política | 04/12/2013 | 11:58
Crônica: Volta da Casan pode gerar improbidade
Procurador de Içara, Vanderlei Zanetta
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Quando da pretensão da venda dos imóveis públicos oriundos dos Loteamentos, em poucas palavras, avisei o prefeito (apesar de não ser convidado para tal) que aquela pretensão não poderia ser realizada. O aviso agora é sobre a transferência para a Casan do serviço de água e esgoto no Município de Içara, atualmente realizado pelo Samae.
Uai de novo. É que não pode ser feito da forma que pretende o prefeito. Será que vai me ouvir? Com certeza, não! O artigo 175 da Constituição Federal prevê que “incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”.
A leitura do dispositivo constitucional alhures mencionado, deixa claro que a outorga de concessão ou permissão para exploração de serviço público deve ser sempre precedida de licitação. A respeito da necessidade de realização de prévia licitação para que seja outorgada a concessão ou permissão para exploração de serviço público, o jurista Celso Antônio Bandeira de Mello leciona:
Vale acrescentar que, regulamentando o disposto no artigo 175 da Constituição da República, a Lei Federal nº 8.987/95, em seu artigo 2º, estabelece que a modalidade licitatória própria das concessões de serviço público é a concorrência, conforme é possível inferir da leitura do mencionado dispositivo normativo, a seguir transcrito na Lei nº 8.987/95:
I - poder concedente: a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Município, em cuja competência se encontre o serviço público, precedido ou não da execução de obra pública, objeto de concessão ou permissão;
II - concessão de serviço público: a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado.
Assim, não resta nenhuma dúvida de que o Município de Içara não poderá celebrar NENHUM contrato de concessão para exploração de serviços públicos com a Casan sem que realize prévia licitação, a qual deve ser efetuada na modalidade de concorrência. Impende acrescentar que, entabulando o contrato, sem realizar prévia licitação, a administração Pública do Município de Içara olvidaria o disposto no artigo 113, da Lei Orgânica Municipal, o qual repete o disposto na Constituição Federal e na Lei Federal nº. 8.987/95, exigindo a realização de licitação para a outorga de concessão para a exploração do serviço público de fornecimento de água e de saneamento básico.
Calha argumentar, de passant¸ que o Município não poderá invocar validamente o disposto no artigo 24, inciso VIII, da Lei nº 8.666/93, para tentar justificar a ausência de prévia de licitação com relação à celebração do contrato de concessão, uma vez que o referido dispositivo legal não autoriza a contratação direta de uma sociedade de capital misto, como é o caso da Casan. Em amparo dessa assertiva, convém trazer à colação o escólio do renomado Marçal Justen Filho:
“É que as entidades exercentes de atividade econômica estão disciplinadas pelo art. 173, § 1º, da CF/88. Daí decorre a submissão ao mesmo regime reservado para os particulares. Não é permitido qualquer privilégio nas contratações dessas entidades.
Logo, não poderiam ter a garantia de contratar direta e preferencialmente com as pessoas de direito público. Isso seria assegurar-lhes regime incompatível com o princípio da isonomia. Essa solução é indispensável para assegurar a livre concorrência...
Empresa estatal atuante na exploração de atividades econômicas sob regime de competição com outros agentes privados, não pode ser investida no privilégio de contratação direta com a Administração Pública...
O TCU rejeitou o cabimento de contratação direta. Além de invocar as orientações de Jacoby e do autor, fez expressa referência ao parecer do Ministério Público no sentido de que: "Convém destacar que o art. 173, § 1º, da Constituição, dispõe que empresas públicas e sociedades de economia mista sujeitam-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas e, portanto, não podem gozar de privilégios nas contratações. Admitindo-se como correta a situação examinada (contratação direta), desconsiderar-se-ia um dos princípios maiores da da República, qual seja, o da livre concorrência". Justamente por isso, o TCU afirmou que por não ficar caracterizada a finalidade específica, deverá ser procedida a licitação”. (4Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Editora Dialética, São Paulo, ano 2010, 14º edição, páginas 317, 318, 319 e 320).
Nessa linha de intelecção, é mister trazer à colação o posicionamento sedimentado pelo Superior Tribunal de Justiça:
“… 5. As sociedades de economia mista submetem-se ao regime jurídico das empresas privadas, sendo indispensável o procedimento licitatório para concessão dos serviços de fornecimento de água potável e eliminação de detritos.
6. Havendo vício insanável no contrato por ausência de licitação, inócua qualquer discussão em torno da possível irregularidade do procedimento de caducidade.
7. Inexiste dissídio jurisprudencial em torno do alcance do art. 4º da Lei 8.437/92 se a decisão do Presidente do STJ foi retratada, restando mantidos os efeitos da tutela antecipada pelo juízo singular.
8. Recurso conhecido em parte e, nessa parte, improvido. (REsp 763.762/GO, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/09/2005, DJ 10/10/2005, p. 346)”.
À luz dos fundamentos jurídicos supramencionados, não resta nenhuma dúvida de que o Município de Içara não pode celebrar com a Casan (sociedade de capital misto) contrato de concessão de exploração de serviços públicos sem que antes seja realizada licitação. Havendo a celebração do contrato de concessão, mesmo autorizado por lei, mas dispensando indevidamente a realização de licitação, caracterizado estará a prática do seguinte ato de improbidade administrativa:
VIII – frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente”.
Discorrendo a respeito do preceito legal acima transcrito, o jurista de Marino Pazzaglini Filho leciona que:
Em relação à individualização da conduta ímproba do Sr. Prefeito – se dessa vez não der ouvido - convém registrar que o mesmo concorrerá, juntamente com os vereadores – futuros co-réus - para a consumação do ato de improbidade se assinar, na qualidade de Prefeito Municipal, e os vereadores se aprovarem a referida lei, sem que houvesse sido realizada a prévia licitação, na modalidade de concorrência pública.
Já no que tange à responsabilização da Casan, que se beneficiará da conduta ímproba anteriormente narrada, é oportuno trazer à baila o disposto no seguinte preceito legal:
Art. 3º - As disposições desta Lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.
Com efeito, a dispensa indevida de licitação caracteriza ato de improbidade administrativa, conforme o posicionamento sedimentado nos Tribunais Pátrios, alguns exemplos:
Pelo exposto, resta demonstrado que o prefeito poderá incorrer na prática do ato de improbidade administrativa capitulado no artigo 10, inciso VIII, da Lei nº 8.429/92, podendo ser aplicada as sanções previstas no artigo 12, inciso II, da Lei nº 8.429/92. Puxe a cadeira para assistir de camarote: só vai faltar o queijo e a goiabada.