Lucas Lemos [Canal Içara]
Segurança | 19/06/2016 | 11:17
Opinião: Espada do Estado sobre o estupro
Advogado criminalista Elias Guilherme Trevisol
Compartilhar:
Os acontecimentos recentes despertaram um frenesi na população casta e de senso comum, há uma "cultura do estupro" em nossa sociedade! Pior, há estupradores. Lamentável foi o fato ocorrido com a jovem do Rio de Janeiro, em tese, estuprada por mais de 30 (trinta) homens e isso nos levou a reflexões maiores sobre os casos de estupros e a notar que, evidentemente, é um ato bárbaro enraizado na cultura humana, mormente, pela corrente machista e paternalista vigente em nossa sociedade.
O estupro é crime hediondo descrito no artigo 213 do Código Penal, cuja pena de prisão vai de seis a 10 anos. Se cometido contra vítima menor de 18 anos e maior de 14 anos, a pena é maior, de oito a 12 anos de prisão. Caso a vítima seja menor de 14 anos, a pena de prisão é de oito a 15 anos. É dizer, o crime de estupro é um crime gravíssimo e com consequências devastadoras, tanto para a vítima, quanto para o acusado. E assim deve ser, através de uma espada afiada, o Estado deve rasgar (objetivo) aqueles que contrariam as normas penais vigentes.
O processo penal que envolve o caso de estupro se inicia com a acusação do Estado mediante inicial do Ministério Público, órgão responsável pela acusação, onde se comprove a materialidade do crime e os indícios de autoria delitiva. A partir daí, a "espada" do Estado está sobre a cabeça do acusado de estupro e o processo penal toma sua marcha natural.
A rigor, é de se conhecer que o poder de punir um criminoso é exclusivo do Estado, sendo a vingança privada proibida em nosso ordenamento jurídico. Ainda que haja o ímpeto de vingança, natural de situações como a de estupro, o direito de punir não pode ser corrompido, sob pena da vítima se tornar o próprio criminoso, invertendo a lógica do direito penal.
A lógica do direito penal é, através de um processo penal legítimo e democrático, punir o agente criminoso com todo o rigor da lei, pois assim, se estaria realizando a justiça conforme delineada em nosso ordenamento jurídico.
A persecução penal dada através do Ministério Público em casos de estupro é voraz, com contornos detalhistas, principalmente, por ser um crime que causa repulsa na maioria dos indivíduos. A punição, como vista, é severa para aqueles cuja culpa, materialidade e autoria sejam comprovadas, chegando a 15 anos de prisão (caso de estupro de menor de 14 anos).
Como nossa Constituição Federal possui contornos eminentementes democráticos, a toda acusação deve se estabelecer uma defesa própria do acusado e técnica, por meio de um advogado. A defesa deve reagir a "espada" do Estado, sendo um escudo firme a discutir dialeticamente os argumentos da acusação.
Após a ampla defesa do acusado, municiado de todas as possibilidades de prova, se este não conseguir se desincumbir do material probatório da acusação, deve ser condenado às penas descritas e conforme o crime que cometeu. Importante frisar que os processos penais que envolvem o estupro são levados a sério pelo Judiciário e por todos os envolvidos, eis que trata de crime bárbaro que se ocorreu efetivamente, deve e certamente irá, ser punido de forma exemplar.
Não há cultura, há crime. Há também uma incitação social para a sexualidade entre as pessoas, isso é inegável, porém, por mais que a mídia e a própria marcha social imprima contornos sexuais, é dever de cada indivíduo refrear tais atos, pois sua transgressão leva a um caminho tortuoso e de sofrimentos. Enfrentar um processo penal é o primeiro deles.
O freio para o estuprador não deve ser o fio da "espada" do Estado, eis que o direito penal atua no efeito e não na causa. Precisamos de educação e políticas públicas aptas a proibirem a sexualização e a dominação entre os gêneros. Após, caso houvesse a transgressão da norma e a plena prevenção ao crime, aí sim, através de um processo justo, democrático, deveríamos ter uma pena.
O triste fim que a vítima de estupro se encontra não é sanada com a pena de prisão do acusado, ou ao final do processo, do próprio criminoso. É importante ressaltarmos que o relevante é não chegarmos à punição. É não termos que punir. É não termos a "cultura do estupro", é principalmente educar nossos jovens para que respeitem a dignidade sexual de outrem e assim, todos nós, ao menos por alguns instantes, podermos dizer que os condenados sim, estes são merecedores da "espada do Estado". E somente assim, via de extrema exceção, apoiar "que cabeças (ou outras partes) rolem".