Segurança | 01/10/2012 | 07:52
Tráfico de drogas, uma atividade 24h
Especial de Amanda Tesman, do Jornal da Manhã
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Por volta das 21 horas, o carro entra no bairro Renascer, em Criciúma. Na rua às margens do trilho, em meio à escuridão, uma pessoa se aproxima do veículo. A presença só se torna perceptível por causa de um feixe de luz emitida pelo jovem. A sinalização é para indicar que ele tem drogas para vender. O automóvel segue pelas vias da comunidade. A movimentação é intensa. A cena de algumas pessoas chegando do trabalho, escola ou igreja, outras saindo para os compromissos agendados e crianças e adolescentes brincando na rua se mistura com a do tráfico de drogas.
Ao passar pelas principais estradas da comunidade, os traficantes mais ousados se aproximam do carro para oferecer a substância ilícita. Já outros, um pouco mais retraídos, aguardam o sinal do usuário ou, até mesmo, esperam na frente de casa, sentados no meio-fio ou dentro do próprio terreno. O clima é de tensão, pois a polícia pode aparecer a qualquer momento, obrigando-os a desmanchar o cenário. Para evitar a abordagem policial, algumas pessoas, que são os chamados “olheiros”, ficam dispostas em lugares estratégicos, atentas a qualquer movimentação suspeita e aproximação da Polícia Militar. Tudo o que acontece no bairro é comunicado aos “vendedores”.
A concorrência é grande, mas os traficantes parecem não se incomodar com isso, afinal, a procura também é ampla. A atividade não para. Durante o dia, noite ou até mesmo de madrugada, eles estão lá, em seus pontos estratégicos, prontos para receber os usuários. Sem fazer muito esforço, eles conseguem faturar muito dinheiro. Não tem como prever o valor que eles arrecadam com a atividade ilícita, mas alguns policiais estimam que por dia eles faturem cerca de R$ 700.
Por quase 15 anos, Fabrício*, o nome é fictício pare evitar represálias, de 32 anos, esteve envolvido no comércio de entorpecentes. Ele desenvolvia a atividade no bairro Paraíso, outro bairro de vulnerabilidade social, onde o tráfico de drogas também é intenso, e garante: o tráfico de drogas é muito rentável. “Ganhei muito dinheiro, muito dinheiro, mesmo, com o tráfico. Dá muito lucro”, observa, sem revelar os valores faturados.
O dinheiro fácil aliado à sensação de poder contribui para que muitos comecem e continuem a fazer o “corre”, como o comércio de entorpecentes é chamado pelos criminosos. “Eu sempre quis ter uma arma. Quando era criança, sempre brincava com arminhas, e eu nunca queria morrer. Eu via o pessoal com arma na cintura e achava o máximo. A vida no tráfico é muito fácil, tem muita mulher em volta. O fato de poder andar armado dá uma sensação de poder muito grande”, comenta.
Mesmo conseguindo ter muito dinheiro, tendo condições, conforme ele, de comprar casa e carro, não investiu para ter uma vida melhor. “Eu entrei para o pacote. Perdi tudo, pois virei um consumidor. Comecei a usar devagar, mas cheguei a uma situação que já não tinha mais condição de repor. As drogas nos tornam irresponsáveis”, sublinha. “Quem usa droga não quer trabalhar, não tem compromisso com nada. Vive uma vida medíocre, sem responsabilidade, sem compromisso, sem nada”, avalia. Hoje Fabrício está na luta para construir uma vida digna. Há nove meses ele está longe das drogas e da criminalidade.
Ele entrou no mundo do crime cometendo assalto e depois começou a traficar. “Um mal puxa o outro no mundo do crime, a gente vai querendo conhecer coisas novas e, por isso, deixei o assalto para ir ao tráfico, que é uma vida em que a gente corre bem menos risco do que o roubo. As chances de morrer e ser pego pela polícia são menores”, ressalta.
Quando o assunto é tráfico de drogas, o sorriso sai do rosto dos moradores do bairro Renascer e o silêncio predomina. É necessário tentar uma, duas, três vezes, até que alguém aceite falar sobre o assunto. “Mas vocês não irão fotografar, não é?”, questionam. “Não posso ser reconhecido”, completam. Para viver em paz na comunidade, criando os filhos com dignidade, eles fingem não ouvir e nem enxergar o que ocorre ao redor. “A gente não mexendo com eles e eles não mexendo com a gente está tudo certo”, afirma Beatriz*. Os nomes também são fictícios, pois eles têm muito medo de sofrer represálias. “Não pode mexer com eles. Se passar por eles e falar ofensas, eles podem te ameaçar”, comenta Cristina*.
Para não ter problema com os traficantes, eles também evitam ter contato com a polícia. “Às vezes é melhor a polícia passar pela gente e não nos cumprimentar, pois depois, se acontecer algo no bairro, é capaz deles pensarem que foi a gente que entregou”, observa Beatriz.
“Aqui cada um vive a sua vida”, ressalta Cristina. “Eu não tenho medo, tenho receio”, completa. “Aqui quem não trafica, trabalha. E quem trafica não trabalha”, conclui.
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